Ele entrou no ambiente. A luz era parca, mas era possível enxergar com muita facilidade qualquer pessoa. Sentou-se, aparentemente, num lugar aleatório, porém sua localização era estratégica, perto de uma viga de sustentação do ambiente. A música era demasiadamente agradável, houve quem dissesse que era propícia ao amor, no entanto era difícil certificar tal informação.

Chamou o garçom. Pediu uma cerveja. Analisou o ambiente e as pessoas que nele estavam, e voltou sua atenção para o pequeno palco onde se encontrava a banda. Deixou-se embriagar pela música, voltando a si apenas quando o garçom tocou-lhe o ombro questionando-o sobre algo da qual não deu a mínima atenção. Seu copo já havia sido preenchido de cerveja pelo garçom, no que só se deu ao trabalho de levá-lo à boca e deixá-lo lá até quase esvaziá-lo. Volveu atenção ao palco. Voltava-se a si apenas quando seu copo ou sua garrafa estavam vazios.

Após algumas horas e muitas cervejas, sentiu a necessidade de ir ao banheiro. Levantou-se, e saiu cuidadosamente andando por entre as pessoas se acumulavam em todo o lugar. Entrou no banheiro. Dirigiu-se à latrina e ficou olhando para o teto pensando na solidão devastadora daquele lugar completamente lotado. Higienizou-se, e saiu do banheiro. Parou a poucos metros da sua mesa e analisou o ambiente. Verificou as horas no relógio de pulso e, de modo instintivo, voltou a andar em direção a sua mesa. Assustou-se quando, ao olhar novamente para frente, chocou-se com uma moça que tomava direção inversa à sua. No segundo que se seguiu perdeu-se em analisar, com muita atenção, aquela mulher com quem houvera chocado o corpo a pouco. Tentou se aproximar dela para se desculpar, mas ela recuou. Ele olhou-a nos olhos e tentou desculpar-se, crendo que ela faria leitura labial. Ela falou algo da qual ele não conseguiu entender, tampouco ler de seus lábios. Só conseguiu ver que ela não usava batom e que tinha olhos castanhos que se escondiam atrás de uma maquiagem preta e delicada.

Nenhum dos dois saiu donde estavam. Entretanto, alguém - ao tentar passar - empurrou-na para os braços dele, no que ele conseguiu sentir um perfume suave e enebriante. Ele não tinha certeza se era perfume, sabonete ou o odor natural dela, mas não quis pensar no assunto.

Ela continuou nos braços dele. A banda começou a tocar um rock romântico. Ele quis dançar, mas não ousou com medo de que ela fosse embora. Deixou as coisas como estavam. Contudo, sem que percebesse começaram a dançar, sem trocar uma única palavra. Quando o guitarrista começou o solo da música ele quis beijá-la, mas para isso teria que tirar a cabeça dela de seu peito.

A música terminou, ela se afastou e saiu. Ele olhou-a ir em direção ao bar, e não a seguiu. Ficou ali parado esperando que ela voltasse para lhe falar, falar que seu coração estava em chamas. Ele, naquele momento, acreditava que sua vida começara ali, naquela coincidência.

Ela não voltou. Ficou no bar. Ele sentou em sua mesa. Um fitava o outro. Um esperava pelo outro. Não havia ninguém que impedisse a coincidência de se tornar uma vida, a não ser eles mesmos.

Alguns se aproximavam dela, mas ela sequer olhava-os. Simplesmente continuava fixada nele, e ele nela. Ela o esperou, ele a esperou. Ela conversou com um rapaz que se aproximou, mas continuava mantendo contado como que chamando-o para tomar aquele lugar. Ele continuou sozinho em sua mesa, apenas pensando nela.

Ela tinha medo, embora sentisse seu coração acelerado. Ele tinha medo. Ela olhou-o, baixou a cabeça, jogou os cabelos para trás e voltou sua atenção para o rapaz; O rapaz aproximou-se para beijá-la, ela deixou-se beijar.

Depois disso, o rapaz falou algo perto do ouvido dela. Ela respondeu. O rapaz aparentou-se confuso e saiu. Ele continuava sentado na mesa, agora com semblante de profunda mágoa. Ela continuava no bar, talvez arrependida. Ela quis levantar, ele levantou-se. Ela sorriu. Ele chamou o garçom, entregou-lhe dinheiro e saiu do lugar. Ela cobriu o rosto. Ele correu pela rua até seu carro. Entrou no carro e lá ficou por alguns minutos. Arrependeu-se e voltou ao lugar. Ele sentou na mesma mesa, procurou por ela. Não a viu. Ela tinha ido embora e levado consigo o coração dele, ele tinha ganhado o coração dela, mas nenhum dos dois tiveram coragem de se arriscar.

Um homem vistoso, com um sobretudo preto adentra a sala. Os cabelos volumosos e muito bem penteados à base de gel. Sapatos, que de tão lustrados, brilhava como a uma lâmpada. A face completamente impassível, nenhuma expressão se via. Carregava, na mão esquerda, uma bolsa preta. Passou por todas as seções de cadeiras da sala, subiu uma pequena escada que ficava à direita, atravessou a sala e dirigiu-se para uma mesa afastada à esquerda, sem pronunciar uma palavra, sequer. Ouvia-a apenas o ruído arranhado do salto do sapato no piso. Todos os presentes o olhavam com uma curiosidade estridente.

O homem de preto se sentou, confortou-se na cadeira, e pôs a pasta sobre a mesa. Abriu-a e dela tirou alguns arquivos que continham muitas folhas de papel, o que se notava ser documentos.

Admiraram a sutileza do homem de preto que manuseava, por alguns instantes, os papéis, agora espalhados pela mesa. Um homem de meia idade, que se sentava ao meio da sala, tossiu propositalmente, e todos volveram a atenção a ele novamente.

- Voltemos nossa atenção ao caso, por favor!

O homem de meia idade exalava certa irritação no seu tom de voz. Aparentava, ainda de diminuta e quase imperceptível, ansiedade e raiva.

- Tereis de se concentrar, Senhores, - nisso o homem de meia idade olhou para sua esquerda -, na particularidade dos fatos que lhes foram apresentados. A cautela é a melhor forma de fazer justiça – fingiu um sorriso, ao que todos perceberam. Somos, nós agora, ao mesmo tempo os redentores e inquisitores.

Fez ele uma pausa no discurso, ao que se notou que tentava dar mais credibilidade às palavras. Ninguém notou.

- Tragam o acusado.

Disse o homem de meia idade. Logo um homem de farda adentrou a sala trazendo o acusado que aparentava cansaço e medo. Colocou-o em uma cadeira em frente ao homem de meia idade, que agora fazia uso de uma peruca de cor branca e cachos, uma beca, e uma maquilagem, que em sua maioria era pó de arroz.

O homem de meia idade consultou alguns papeis e os leu para o acusado que se mantinha, todo o tempo, olhando para o piso, como se dali esperasse algum buraco para se enterrar.

A porta da sala novamente se abre. Dessa vez um homem vestido em branco, com um sorriso bondoso no rosto, adentra. Os cabelos, que lhe cobria os ombros, tinham uma cor cinzenta. Dos olhos se via uma compaixão e um altruísmo, que de tão transparente fez com que todas as pessoas na sala sorrissem, com exceção do homem de preto que continuava impassível.

O homem de branco correu a sala, subiu as escadas à direita, pegou uma cadeira e sentou-se perto do acusado. Chamou-lhe a atenção e disse, quase no silêncio, algumas palavras que não puderam ser ouvidas por mais ninguém. O acusado continuou olhando para o piso, ainda que a expressão em seu rosto parecesse ter mudado.

Com um martelo de madeira, o homem de meia idade chamou a atenção a si novamente.

- Comecemos os trabalhos.

Ao acusado foi dado o direito de falar. Todos os presentes o ouviram atentamente. As palavras ecoavam por toda a sala, ao tempo em que era como que se ouvir várias pessoas falarem ao mesmo tempo. Algumas frases passavam desapercebidas, já que o eco atrapalhava a sonoridade das palavras. O timbre do acusado era sereno, mas falava com certa pressa. O homem de branco olhou-o nos olhos, colocou uma de suas mãos sobre um dos ombros do acusado, momento em que este começou a falar vagarosamente e acentuando cada passagem dos relatos que tinha em mente, atenuando as confusões produzidas pelos ecos.

O homem de preto ouvia atentamente ao acusado, enquanto escrevia numa folha que sobre a mesa.

Passaram-se trinta minutos, quando o homem de meia idade noticiou que o tempo do acusado havia terminado. O homem de meia idade determinou que o acusado se sentasse numa mesa à frente, e que o homem de branco o acompanhasse.

O homem de preto levantou-se, e dirigiu-se ao meio da sala. Carregava em sua mão esquerda alguns papeis com muitas anotações. Limpou a garganta com uma tosse seca e alta, analisou as anotações e começou a falar. Cumprimentou os presentes com falsa cortesia e andou até o lugar onde haviam sete pessoas sentadas.

- Podemos averiguar que o caso é de suicídio...

Falou estas palavras e olhou para cada pessoa procurando captar alguma emoção, mas nada viu. Continuou seu discurso dando ênfase nas circunstâncias da morte. O acusado não aparentava nenhum arrependimento, nenhuma emoção que demonstrasse remorso.

- O código é claro ao tratar do assunto... Ademais, o suicídio é punido da forma mais rigorosa, já que o ordenamento assim o prevê.

O discurso durou duas longas horas. O homem de preto procurou abusar da expressão suicídio durante todo o percurso, com intuito de chocar e firmar a morte, relatada no caso, como um pecado monstruoso, como um mal imperdoável que deve ser punido com o maior rigor possível. Fez comparações conduzindo o discurso a uma situação de catástrofe moral. Finalizou dizendo:

- O suicídio não comporta absolvição, pois combina as mais abomináveis situações criminosas, haja vista que matar é um pecado secular. Assim tendo o acusado participado de abominável prática, nada mais justo que seja condenado a mais severa pena.

As sete pessoas continuavam impassíveis. Ouviam atentamente cada argumento, mas não demonstravam nenhuma imparcialidade quanto a sua decisão.

O homem de meia idade esperou que o homem de preto se sentasse para dar seguimento aos trabalhos. Chamou o homem de branco à atenção e deu-lhe a oportunidade de se manifestar. O homem de branco se levantou, e sorriu. Percorreu a sala até o homem de meia idade o cumprimentou com muita humildade e cordialidade, assim como as demais pessoas. Dirigiu-se até as sete pessoas, os olhou simpaticamente e começou seu discurso.

- A vida, Senhores, nada mais é que um instrumento. A vida é um caminho... A morte é outro...

Fez um discurso simplório, dedicando cada palavra a importância da vida e da morte. Falou dos elementos que as compunham, assim como da liberdade de cada um de explorá-los.

- O suicídio é um dos meios pela qual se encontra a morte, nem por isso deixa de ser um caminho. O acusado participou do suicídio relatado, mas isso não importa dizer que os motivos dessa participação sejam intrinsecamente dele. As pessoas morrem por inúmeros motivos, e muitas vezes são as causas de suas próprias mortes. O suicídio é morte, não natural, quiçá acidental, que leva em conta muitos males, muitas aflições e muitas dores e enfermidades...

Continuou o discurso ponderando sobre a importância de se viver, embora considerando a existência de uma linha tênue entre a vida e morte, aonde muitos vão naturalmente e outros acidental ou violentamente. Asseverando que tudo é parte do processo a qual chamamos vida e morte.

- Há um chamado. Para alguns o chamado denominamos destino, para outros fatalidade. Contudo, a vida e morte andam juntas. E por mais injusto que o motivo da morte seja...

O discurso do homem de branco já se estendia por uma hora e cinqüenta e cinco minutos, quando o homem de branco parou, bebeu um gole de água, respirou fundo e continuou.
- O acusado realmente participou da morte... O acusado realmente participou da morte... O participou...

Respirou, o homem de branco, muito fundo e falou.

- O acusado se matou, mas não deve ser mandado ao inferno por isso. Ele morreu – falou com uma tristeza que era de se arrepiar -, Senhores, quando sua mulher e seus filhos morreram. As dores fizeram com o que o acusado perecesse. A importância da vida e da morte está no que sentimos e no que podemos ter. A morte do acusado, portanto, se deve ao amor por sua família, que ali estão sentados...

Só a voz do homem de branco pairava na sala. A atenção volvia-se toda a ele e a seu discurso triste e cheio de compaixão.

- Finalizo, dizendo que, ainda que ninguém tenha o direito de ceifar sua vida, a morte não deve ser punição. Tampouco uma pessoa deve ser separada da sua família, pois a morte é um novo caminho, independente do motivo ou dos meios pela qual ela tenha se dado. O acusado merece o paraíso, pois morreu por amor à sua família, assim como viveu.

O homem de branco finalizou o discurso, agradeceu a todos e sentou-se ao lado do acusado. O homem de meia idade determinou que os sete começassem a deliberar. As deliberações estenderam-se por menos de cinco minutos. Os sete voltaram, e um deles com um papel nas mãos. Abriu-o e fez a leitura.

- Os sete deliberam os seguintes votos: A morte é uma passagem, é a continuidade da alma. A vida é uma dádiva que deve ser respeitada, acima de tudo. O ato de ceifar a própria vida é abominável, e não há motivo que justifique tal ato.

O homem de preto deu um leve sorriso.

- Todavia, a morte é um caminho independente e tudo que acontece na vida não se comunica com o que acontece depois dela. Ainda que assim seja, a vida deve ser vivida e suportada com todas suas dificuldades. Portanto, os setes, por cinco votos a dois, deliberam pela condenação do acusado.

Ouviu-se, nesse momento, um coro de lagrimas. As pessoas que assistiam ao julgamento começaram a chorar em tão alto tom que era impossível se ouvir qualquer coisa dentro da sala. O homem de meia idade bateu o martelo chamando todos à atenção. Todos os sete se levantaram, e o leitor continuou em pé e com a folha nas mãos. O homem de branco consolava o acusado que caíra numa tristeza inimaginável. O homem de preto, por sua vez, tinha um sorriso de contente na face. O alvoroço foi atenuado pelo homem de meia idade, e quando ia falar os sete pediram a atenção.

- Nós como representantes da justiça condenamos o acusado...

Antes que o leitor dos setes falasse, o choro novamente invadiu a sala. O homem de branco interveio e pediu para que as pessoas tivessem calma, no mesmo instante em que o homem de meia idade batia furiosamente o martelo.

- No caso do acusado devera cumprir a pena no...

Ouviu-se um gemido fino e doloroso. A mulher do acusado se levantou.

- Se o meu marido for enviado ao inferno, peço que minha alma seja para lá enviada também, assim como de meus filhos. Não suportarei minha eternidade longe dele. E qualquer lugar junto a ele é suportável, ainda que seja o inferno.

O homem de preto exaltou-se. Antes de terminada a leitura da condenação pegou o acusado pela gola da camisa, criou uma fenda no chão da sala e começou a arrastá-lo para lá. A mulher do acusado abraçou seus filhos e caminhou para junto do marido. A mulher e os filhos abraçaram o acusado, que era arrastado pela sala.

- Ainda que o acusado tenha sido condenado – falou o leitor dos sete -, deliberamos que a pena não será a este aplicada, haja vista as circunstâncias do fato, ou seja, o amor com a qual viveu e morreu.

O homem de meia idade encerrou a sessão, e mandou que fosse cumprida a deliberação dos sete. Um alvoroço tomou conta da sala. Aquele bateu o martelo, chamando à atenção. O acusado ainda tremia pelo temor que passara.

- Inferno, disse, só existe durante a vida. A morte é um novo começo. E esse julgamento é uma condição para que as pessoas voltem e valorizem suas vidas. A vida é cheia de obstáculos, mas o retorno a ele é inevitável.

O homem de branco encostou a mão direita sobre a cabeça do acusado, no mesmo momento o acusado acordou. Estava deitado numa rua muito movimentada. As buzinas soavam alto, ouviam-se pessoas falando e reclamando do engarrafamento que se formava. O acusado estava deitado no chão, em plena noite, havia muitas pessoas em sua volta. Olhava para o céu escuro e limpo, enquanto pensava na vida que teria dali em diante, ouviu alguém dizer: esse ganhou a vida. E o acusado sorriu alegre, já fechando os olhos para acordar para a nova vida.

Era uma longa e pomposa noite. O marido e a esposa chegam em casa dirigem-se ao aposento e deitam-se na cama. O dia foi formidável. O varão fez tudo para agradar sua esposa. Foram ao melhor restaurante da cidade. Deu flores e dedicou uma romântica música à amada que os violinistas tocaram docemente enquanto o marido entregava uma jóia à mulher.

Quando chegaram em seu aposento, ambos deitados na cama o marido começou:

- Não farei amor contigo, antes saber tudo sobre você.
- Não quer fazar amor? Querido, como não quer?
- Sinto que temos muito o que conversar. Quero saber dos seus anseios, seus objetivos, seus projetos, enfim, quero que me conte sobre você.
- Por quê isso?
- Olha amor, sei que depois de muitos anos os casais tendem a esquecer as necessidades um do outro e não quero isso pra nós, por isso quero ouvir-te, como faziamos quando nos aventurávamos pelo mundo, lembra-se?
- Amor, eu te amo e isso é o que basta. Quero que saiba que tudo o que tenho feito e que farei, desde que seja ao seu lado, é o que importa.
- Bem, você precisa me falar. Eu quero estar sempre perto de você, quero sentir o que você sente. Quero ouvir o que você pensa, pois você é o que vale a pena na minha vida e sem você minha vida não seria nada.
- Tudo bem, querido, já que deseja saber eu falarei. Eu sempre quis viajar o mundo. O primeiro ponto seria veneza, a cidade do amor. Quero escrever um livro e pintar quadros.
- Continue, meu amor.
- Velejar pelo pacífico. Escalar os alpes. Nadar nua no mar morto. Visitar a torre de pisa. Ah! eu quero tudo o que a vida pode proporcionar.
- Amor, tantos anos juntos e você nunca me disse que tinha tudo isso em mente.
- É, mas você nunca se importou em perguntar.
- É verdade, o tempo vai passando e nós vamos perdendo o entusiasmo. As coisas parecem perder a vida, mas isso não acontecerá conosco. Amo-te, querida, e por isso farei tudo para que realize cada desejo seu.
- Oh! meu amor, como eu te amo. Eu já sou muito feliz com tudo o que tenho, pois tenho você ao meu lado.
- Mas isso não é suficiente. Quero que sua vida seja completa.

Então abraçaram-se, beijaram-se e fizeram amor como nunca haviam feito antes. A noite passou sem que os amantes notassem. Era a segunda lua-de-mel. E o amor foi intenso, durando uma eternindade dentro das poucas horas.

O marido, depois de fazer amor, sentou-se na cama e continuou a prosa.

- Agradeço, a cada segundo, por ter você meu amor. Você é a mulher mais linda e fantástica que existe na terra. Eu não...

Antes de a frase ser terminada ela acordou. O marido roncava intensamente. Então ela começou a pensar no sonho que tivera e como gostaria que sua vida fosse magnífica como a do sonho.

Levantou-se foi até a janela do quarto, olhou o céu e continuou a pensar no sonho que tivera. Sua vida não tinha nenhum romântismo. Seu marido, depois de alguns anos já não saia. Eles não iam a restaurantes. Ela não sabia o que era receber um presente. Os beijos eram frios. Deitou-se e não conseguiu durmir. Passou a noite a pensar no maravilhoso sonho que tivera.

Quando já perto das seis da manhã o marido acorda.

- Ei, não durmiu não? Tá pensado que é de ferro?
- Eu não consegui durmir. Perdi o sono.
- Vá ao médico então se tratar.
- Talvez eu faça isso.
- Preciso trabalhar. Pega minha roupa que vou tomar um banho.
- Claro.
- E não esquece de preparar o café.
- Claro.

O marido foi ao banheiro, quando voltou a mulher ainda estava sentada na cama. Não tinha arrumado a roupa, tampouco feito café.

- Cadê minha roupa?
- Que roupa?
- Quer saber, esquece! Deixa que eu mesmo arrumo minhas coisas. Você, ultimamente, não tem prestado pra nada mesmo.
- Eu nunca presto não é? Eu sempre trancada nesta casa. Sempre à sua disposição e sou a imprestável.
- Que mais você queria? Um castelo só para você? Se não está feliz...

Antes de a frase ser terminada ela acordou. O marido alisava seus cabelos. Havia um mar lindo à frente. Uma brisa leve tocava sua face e a fazia sentir-se muito melhor do que jamais esteve, mas começou a pensar nos dois sonhos que tivera antes. Começou a pensar se aquilo tinha mesmo sido um sonho.

- Querida, vamos caminhar um pouco? A brisa está muito boa para ficarmos aqui. E depois pederíamos ir até a outra ponta da praia onde há as melhores dunas do universo.
- Claro, meu bem.
- Há algo errado, meu amor? Não está satisfeita com a nossa estada nesta praia?
- Não, paixão, está tudo ótimo. Vamos andar, vamos.
- Tem certeza? Se não estiver gostando poderemos sair daqui agora.
- Estou adorando, meu amor. Adorando.
- Está certo. Dê sua...

Antes de a frase ser terminada ela acordou. O marido havia sumido. Ela estava na cozinha. A água da pia estava aberta e em uma das mãos havia a esponja consumida de sabão e na outra uma louça recém enxaguada. Começou a se preocupar. Perguntou-se o que lhe estava acontecendo, mas não sabia. Os sonhos eram tão reais, que já se perguntava se estava realmente acordada. Enquanto terminava de lavar a louça, ficou a pensar sobre os seus sonhos.

Saiu da cozinha e sentou-se na sala, afim de descansar, já que suas mãos ardiam. Perdeu-se por alguns minutos no sofá, quando o marido chegou.

- Cheguei. O que fez para a janta?
- Desculpe, não estou bem disposta.
- E sou eu quem deve pagar por isso? Se tivesse me avisado eu teria comido fo..

Antes de a palavra ser terminada ela acordou. O marido estava apontando para a torre Eifhel. Ela estava assustada, tudo aquilo era recente demais para ela e estava começando a pensar que estava maluca. Pediu para que o marido levá-la aos aposentos, pois precisava deitar-se. Dizia estar enjoada.

Deitou-se e durmiu. Sonhou que estava numa fazenda, muito longe da cidade. A fazenda tinha umas montanhas ao seu redor. Havia, também, uma cachoeira a poucos metros.

- Foi isso que sonhei pra nós. Uma vida calma e pacata.
- Querido, onde estamos?
- Como onde estamos? Estamos na nossa fazenda.
- Que fazenda?
- Ora, a fazenda que compramos depois que resolvemos deixar a cida...

Antes de a palavra ser terminada ela acordou e acordou de todos os sonhos. Estava senil. Lembrou-se dos sonhos. Os sonhos eram parte dos projetos de vida feitos na juventude e a vida real que a mulher havia tido. E ela viveu ambos, um em sonho e o outro na infeliz realidade da vida cotidiana.

Silêncio! Ausento-me por um momento, entro e fecho a porta, sento-me na sala deste mundo que é meu, que invento, que decoro como as letras de uma canção que ainda não escrevi. Silêncio, feito de palavras que te escrevo, como diretrizes, um mapa secreto, que só tu sabes ler, para me encontrares, para te perderes.

Silêncio! Silêncio! Silêncio...

Silêncio, que os tijolos deste muro são de tempo. E o tempo alveja-me com silêncio e com palavras que socorrem perdidas flores de pensamentos esquecidos.

Silêncio, apenas faça silêncio. Só me olhe e me veja! Nesse silêncio profundo, onde os pássaros cantam, o vento sopra, as vozes cantam, os passos marcam... Hei estar introspectivo, esquecendo-me de esquecer do silêncio solitário e bondoso que tanto desejei.

Silêncio! É nele onde grito, onde ouço, onde falo, onde... onde... onde... O silêncio completa.

Silêncio! A madrugada desperta o dia, acorda-o do meio da Noite, o horizonte ganha forma sobre uma linha que separa o céu da terra. As nuvens ganham tons de cinza, restos do fogo que se prepara para surgir sob a forma de uma estrela incandescente.

Silêncio! A manhã surge, em múltiplas cores, sobre o firmamento pálido de um novo dia. O ar fresco envolve as plantas que dormentes, se agitam, na brisa. As montanhas descobrem-se por entre mantos de neblina, que rasgam com as suas pontas afiladas.

Silêncio! Pássaros batem asas, mergulhando no azul claro do dia, reinventando a gravidade, numa cadência tranqüila, como se estivessem pendurados por fios de coco. Deslizam, cortando o ar, penteando as penas, olhando a vida duma perspectiva divina.

Silêncio! A vida recomeça, agita-se em convulsões dramáticas do quotidiano, num mundo vazio de sonhos, cheio de falsos ideais de perfeição. As gentes falam sem se ouvir, pensam sem existir, numa amalgama de carbono contorcido.

Silêncio! Silêncio que é onze de julho. Onze notas caídas Lá, chegavam a dar Dó. Onze é hibridez dos dedos... Saliva curta! Uma escuridão soturna, mas gritavam.

- Ora, ora! Não poderia ser mais apropriada essa luz escura e essa escuridão suavemente clara. Negra luz onde as ondas dilatadoras passam sem sequer pedir licença...
- Isso é o verdadeiro silêncio.
- Como pode, meu caro, a isto chamar silêncio?
- Abra-te os ouvidos e sinta as ondas badalarem em seu tímpano, pois só dessa forma conseguira ouvir o silêncio barulhento, qual ouço.

Sentaram-se, então, nas gramíneas da região, numa distância razoável. As luzes, os flash, as palmas e as rodas eram silenciosas. Uma tela magnífica sofás na direita com pessoas sem rostos sentadas, em longos e sorridentes “papos”. Mendigo ao chão sem imagem. Poesias no alto, como nuvens. Rostos pintados, sem feições. Discursos e ideologias. Poetas e poesias. Um palco. Um microfone. Uns ruídos. Um onze e julho. Esse era o verdadeiro silêncio. Um ritual mágico.

- Ainda ouve?
- Só o silêncio, só o silêncio.

Silvam, então, na ânsia dos sentimentos um resolução, infortunada, contudo, a mais plausível. Desde então, no umbral do terreno passional, um grito. Um grito? sim um grito, um silvo desesperado de remorso e consternação, que afetou a psique o amante.
Avistou-a então, sob o palio lunar, o anjo. Que como um fulgente raio desaparece. Grita então o amante:

-Sinto em dizer, contudo, me é extenuante, de tal forma, ver-te tangida por outras falanges... Sinto me em torpor mesquinho e febril, entretanto, é me tão consuetudinário agora que em todo o tempo as imagens são ininterruptas...

Nada ouve em resposta. O silêncio lhe corrompe. Grita.

- ...

Novamente nada ouve. Então entre um alvoroço e um ardor. Grita:

-Oh! deus... Não sabes da algia um simples coloquios, uma irrisória parcela... Predizendo d'um ruidoso destino, onde remoto me sinto perto, contiguo me sinto distante...

Silêncio.
- ...

Grita, já sem esperança:

-Depreciativo é o prelúdio do ardor frugal que me, agora, abranda... Ameno como um vulcão em atividade... Proscrito por maldizentes solilóquios...

Silêncio.
- ...

Por fim, em última tentativa, grita:

-Sou eu embevecido em teus singelos e feéricos traços...

Silêncio.
- ...

Silêncio.
silêncio.

Consumiu, então, o silêncio ao amante. De desilusão afronta-se e extirpa para fora o coração como forma final de demonstrar o amor...

Sem resposta, sabe que o amor, único amor, foi perdido, e não tem, como sempre soube, nenhuma chance de retornar ao estado de cume do amor próprio...

Aos desesperos sae. Cabisbaixo vês sumir o que um dia foi amor. Ao longe vê que poderia ir longe, tão mais longe, que ainda estaria ali a espera de uma única palavra, uma única letra. Desesperançoso. Diluido pela ferina dor. Sem esperança. Voa, voa, voa até o infinito, o tempo lhe esvai. As asas, em plumas, vão dessecando. Encontrou então, sob um impacto, a luz que lhe deu nova VIDA.

_______________Subiu..
________Subiu..
_Subiu..
__!
Sucumbiu!
Sem mais sinal de amor algum... Só de amenidade...

Com que rispidez vi-a olhar-me...

- Se sente bem?
(perguntei-lhe, para não demonstrar minha lamúria por aquela visão).

- Não poderia estar melhor.
(respondeu-me ela, direcionando seus castanhos olhos e fitando os meus como se os fosse engolir).

Pensei, então por alguns milésimos de segundo, como poderia ela ser tão forte ao ponto sorrir. Então ela antecipou-me.

- Nós somos espelhos. Eu vejo em ti minha alma e você em mim sua perdição.

Aquilo soou a ele como um epitáfio. Mas ela continuava a sorrir... Os lábios tão docemente abertos, deixavam à mostra um sorriso que variava de melanciolia a uma felicidade (ao ponto que não se podia mediar nem um nem outro)...

- De que adiantaria travar lutas? nem mesmo sei pelo que devemos lutar....

Com isso ela ia saindo...

- Sorria sempre, disse ele, mas sorria com o furor da alma... para que vosso sorriso seja o motivo dos sorrisos alheios, não de vosso desepero.

E ambos sairam... Ela em busca de seu sorriso sincero, e ele a procura de prazer. Nunca mais se viram... depois daquele primeiro-último anormal na rua esperança, sem número.

Se enganam os que pensam que poderiam extrair de mim estórias com finais felizes. Mas se quiserem (opção sua) podem imaginar seus finais, apenas não leiam os meus, pois nunca serei menos nefasto e cruel. Não venho acender chamas apagadas. Venho mostar como terminam as chamas já acesas. E certifico-lhes que sempre acabará em águas sujas de um rubro líquido.
(...)
Nem tudo é como esperamos que fosse, mas é bem mais feio quando se procura o fundo das coisas. E acredite tudo termina em tragédia. É a lei natural mais antiga do mundo. Ou seja a Lei do começo e fim.
(...)
Portanto, quem espera ver flores, irão encontrar aqui. Contudo não pensem que serão quaisquer flores. E nem que serão depositadas a qualquer pessoa ou lugar.
(...)
Olhe em meus olhos. Veja se consegue distinguir a realidade da não realidade. A profundide dos sentimentos elevam os seres, ou os deixam (os seres) à beira do precípicio. O amor é majestoso, mas também é cruel. Isso vai depender unicamente do que você quer ou aceita ver. Lhes oferto algumas verdades (sem nenhum caráter absoluto), mas que poderão fazer com que sinta o odor putrido que os poros infectados pela passionalidade exala.
(...)
Escolheria um lugar melhor para começar minha estórias, mas acredito que o cimetério municipal é o lugar mais amável e passifista que existe. Lá estão os restos de amor, de paz, de guerra, de solidão, de todos os sentimentos que existem. Encontraremos o que quisermos em cimitérios, basta procurar.
(...)
Vocês podem abandorar este texto agora ou se juntarem a mim. A escolha é vossa.
Beijos! (Escrito no original com sangue)
(...)
- Esse trecho é a introdução livro?
- Não. É a parte do que me faz viver. É o meu sangue e minha alma.
- É um tanto apavorador.
- Não se assuste. Mas também não pense que terá uma estória de amor convencional.
- É de se imaginar que não será uma estória de amor, mas tem ao menos um final feliz?
- Não estou pronto para escrever estórias com finais felizes. Sou escritor das rosas negras do mundo, das rosas da morte!
- Então porque persiste em pensar nesta estórias de amor?
- Quem procura estórias de amor em livros ou em contos, é porque sua vida não lhe proporciona isto. Eu sou parte fragmentada de amores rompidos, de corações em pedaços, de enforcamentos nos banheiros de hoteis de luxo... De assassinatos passionais. Sou escrito do lado negro.
- O amor nos livros é mais amplo e mais mágico.
- E quem necessita de fantasia? Se procuras fantasias, encontra-las-á nos ácidos ou nas químicas ilícitas. Não em livros romanescos. Enfim, nada mais quero conversar, por favor.
- Só mais uma pergunta.
- Que seja.
- O livro terminará em tragédia, mas isso não é convencional?
- Espere e veja, a tragédia será a publicidade do livro.

(...)

Eu poderia lhes oferecer o amor puro, casto e melancólico das músicas, mas o que isso nos acresceria? Em termos poderiamos sentir-nos menos mal por acreditar que outros já estiveram piores que nós, entretanto esta sensação se esvairia tão rápido quanto chegou.
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Meu sangue está em todo o piso branco do quarto. Meus pensamentos estão em toda parte, e eu onde estou? Ninguém sabe. Desde que o amor se foi... a alma não respira. É como se extraissem o oxigênio da composição da água, ou o reflexo do espelho.
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Ninguém regressa são de um grande amor perdido. É natural que não haja uma superação total. Os químicos e médicos poderiam dizer que tudo não passa de reações fisiológicas ou químicas, mas não é isto para quem sente. É o fim.
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Já estou na quadragésima página e ainda não tenho o mínimo interesse em saber o que me tem passado. Nem se é dia ou noite, tudo se foi. E agora só resta uma lápide com uma imagem em sua fronte, com dizeres gentis.
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Estou me esvaindo junto às páginas. E não poderei dizer se tenho sangue suficiente para terminar este livro. Estou pálido, tal qual o amor que hábita minha alma, ambos sem sangue. Sem o líquido que dá vida.
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Meu tempo está acabando. Em minha ampuleta não resta muito de areia, nem em meu corpo sangue. Todavia, em meu peito existe amor para completar milhões de páginas. Um amor corrompido e incompleto. Um amor sem reflexo.
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Contar-lhes-ei, o que é o amor: Um dia você acorda. Faz as higiênes diárias. Saí. Então o tal amor lhe bate a porta, você o deixa entrar e ocupar o que quiser. As coisas se tornam insensatas, mas tudo no amor é assim. Então você se torna o amor. Você come, dorme e vive isso. Espera morrer antes, para que morra amado. Por fim, o amor que já lhe consumiu todo é extraído brutalmente pela morte... E você só consegue se lembrar das rosas sobre o sepulcro. Das lágrimas de sangue. E do odor de sua amada. Tudo que foi vida, não faz mais sentido. Você precisa da morte. Precisa encontrar o fim do sofrimento e o ínicio da paz.
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Talvez achem que é loucura, eu não importo. Quando sentirem que o amor deu ínicio a sua vida, entenderão também que com a morte dele você também morre.
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Cheguei ao meu límite, não tenho mais forças para continuar. Que este seja meu testamento, meu testamento de amor, lavrado a sangue e a vida. E saibam que se ela um dia ouvir minhas preces, minhas palavras de solidão e desespero aqui depositadas em inúmeras páginas, estarei esperando-a na única prisão da qual nunca se saí.
(...)
Com as últimas gotas de sangue e vida, deixo meus sentimentos esculpidos em papel. E parte de minha alma colada às palavras com parte de meu corpo.
Eternamente te amarei.

(...)

Notícia publicada no jornal da vida.

Quando um homem que muito amou lavrou seu testamento sentimental à sangue. Este homem, que nunca será identificado, extraiu cada gota de sangue do seu corpo para demonstrar o amor que tinha por uma mulher. Morreu junto ao seu testamento. Junto à sua confissão. Junto aos pápeis de sua entrevista a si mesmo.

Talvez nunca saberemos o que realmente é o amor. Mas podemos concluir, meus caros, que ele às vezes nos leva à morte.

Em sua lápide no cemitério municipal, ele pediu que escrevessem: "Aos que pensam que estou morto, enganaram-se. Pois minha vida acaba de começar".

Meses depois ondas de suícidio cubriram uma pequena cidade do interior de algum lugar da terra. Fatalidade ou não o livro do amor perdido (também conhecido como livro da morte, chamado assim em função dos inúmeros casos de suícidio causados pela leitura) é o maior best-seller, jamais visto.

Na lápide ainda continha a seguinte mensagem: "só podem morrer aqueles que já aprenderam a viver, quanto ao resto apenas retornaram ao estado primitivo, portanto, não me dêem os créditos pela morte, mas por mostrar onde começa a vida"

Ninguém sabe, contudo, o que aconteceu à mulher amada pelo escritor. Destino ou não, por causa desta estória o escritor vai ser lembrado para sempre. Desconhecido em vida, mas muito lembrado pós-morte. Coisas da vida.

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