- Estafado. Sim esfafado.

Disse a si mesmo.

Já não se sentia só, pensava, pois a solidão já o acompanhava a tanto tempo que virou dela amigo. E sem ela, talvez, não saberia viver. Tudo quanto a vida lhe dava era pavor da sociedade. A evolução, d-evolução, r-evolução, o que era isso? nada, pensava consigo, já que para ele o mundo era ele mesmo e a solidão que lhe davas as mãos.

Estava cansado. Enfermo. Solitário. Esquisito, nos olhos alheios. Mas o mundo não podia ter sido mais cruel com este homem. E ele sempre soube da crueldade com que o mundo lhe tratava...
Vivia já a muito nas ruas. Banhos, só quando a chuva lhe proporcionava... E não lhes digo que era por vontade que ele os tomava... Gostava mesmo daquele estado, uma vez que assim evitava muito mais contato humano.

Pensava as vezes se lembrava como era falar. Entrava em dúvida se algum dia soube falar, pois poucas foram as vezes que um som saiu de sua boca... E nada poderia ser mais fausto a ele que isto. Falar é ser humano, e ele sentia-se muito pior quando se via como um humano. Pensava que a humanidade era pior que a animalidade, uma vez que nem os animais se depreciavam e se matavam tanto e por nada.

- Cheguei ao fim.
Disse um dia, em pensamento.

Sabe-se Deus o que isso queria dizer. Uma vez que para qualquer outra a situação dele já era o fim. Mas para ela não restou outra alternativa, senão dar cabo a vida.

Ele havia se tornado muito mais animalizado do que esperara se tornar... E como animal não poderia viver muito tempo. Sentia, como animal, o desprezo, o egoísmo, e a falta de sensibilidade dos seres.

Dirigiu-se ao topo de um prédio abandonado. No topo pensou em ser ave e voar até o chão. Mas para ele as aves eram as Imperatrizes. Pensou em um animal, mas nada lhe veio a mente. Então pensou no pior animal do mundo. O humano.

Olhou para baixo.. Desistiu. Disse a si mesmo que o ser humano é um animal tão desprezível que não merece nem a morte, e sim o sofrimento. Mudou os hábitos e a vida... nunca mais foi visto sujo...

Não foi um conquistador quando jovem, mas nunca desistia, chegava ser chato. Não era um homem muito aparentado, mas sempre tinha seus rolos. Dia após dia tinha suas escapadas, saia do serviço encostava-se no bar para beber e conversar fiado. Gostava de ficar paparicando as moças, sem muita ousadia.

- Eu, dizia ele, não me caso... Não sou homem de uma mulher só.
- Mas vê se deixa de besteira! E quem lhe disse que casamento é sinônimo de celibato?
- De qualquer forma não quero me casar! Dá-me ânsia imaginar que terei que conviver com apenas uma mulher... Não imagino-me chegando em casa e vendo uma mulher assistindo televisão enquanto as panelas estão no fogo...
- Não seja parvo... Este é o lado bom das coisas, ruim mesmo é quando ela começa a furtar-te de ver os amigos, de sair para tomar umas, não deixa sair para jogar futebol...
- Em todo caso casamento só é bom para os pais da noiva...

Caíram então na risada, e não era de tudo mentira.

- Mas eu me lembro da Lucinha, você dizia que com ela casava, no tempo da faculdade.
- A Lucinha, com ela até me casava mesmo! Mas depois dela não existiu mais nenhuma, só camas, lençóis e até outro dia...
- Não sou casado, mas pretendo. Tenho minha noiva e vivemos bem... E ainda por cima tenho minhas saídas... Seja agora, seja depois de casado, não desperdiçarei nenhum momento da minha vida... Se Deus nos deu o sexo, então dele vou aproveitar até esteja sem vida.
- É assim que seja fala. E vida o sexo!!!
- Voltando ao assunto da Lucinha, sabe que eu tinha um desejo enorme de beijá-la. Era até mesmo estranho. Nunca fui tímido, mas com Lucinha não sabia lidar. Vinha algum tipo de receio. Certa vez a toquei na mão foi algo inexplicável... E a Lucinha sempre foi um espetáculo de mulher, seja no quesito inteligência, seja quesito beleza ou no simpatia. Depois da faculdade não mais a vi... Será que ela casou-se?
- É provável. Todos sabiam que o sonho dela era vestir véu e grinalda.
- Lucinha. Tempos bons aqueles.

Ficou a imaginar o que Lucinha poderia estar fazendo. Veio a mente uma Senhora de corpo divino, Loura, olhos tão azuis quanto o mar. Um vestido que desfilava em seu corpo. A boca levemente amanteigada com um brilho. Sombra nos olhos. Uma maquiagem sutil e glamourosa.....

- Ei. Está longe meu rapaz.
- Nada demais, apenas um devaneio.
- O que fará hoje?
- Vou me encontrar com umas amigas...
- Amanhã outro chopp aqui?
- Certo. Amanhã, aqui mesmo.
- Até logo. Minha noiva deve estar furiosa, já estou a mais de uma hora de atraso.
- Abraço.
- Abraço.

Ficou sentado um pouco mais. Fechou a conta e saiu. Quando sai na porta depara-se com Lucinha. O rosto era inconfundível. Ele não podia acreditar no que estava vendo.

Ela sentou-se numa mesa, estava desacompanhada. Ele então se sentou novamente, numa mesa ao lado da dela. Pensou em algum assunto para falar, mas tudo lhe fugia a mente. Decidiu, então, oferecer um drink à bela moça.

- Garçom.
- Pois não?
- Ofereça um drink àquela moça, sob meus cumprimentos, por favor.
- Algum em especial?
- Ela freqüenta o ambiente?
- Só nas sextas feiras.
- O que ela costuma beber?
- Martine.
- Então lhe sirva Martine.
- Como quiser. Mais alguma coisa?
- Por favor, traga um Uísque com gelo para mim, por favor.

Saiu o garçom, pouco depois tinha servido à dama. E referenciou as recomendações feitas pelo cliente. Lucinha cochichou algo, que não pode ouvir.

- Ela convidou o senhor para sentar-se com ela.
- Agradecido.

Levantou-se, e pegou seu uísque e então se sentou com a dama.

- Muito prazer, Fernando. Fernando Bastos.
- Lucia, muito prazer.

Conversaram por longas horas, a noite já tardava e então ele tomando nota que já estava muito tarde, despediu-se dela. Pediu, contudo, o telefone dela, o que ela o negou. Dizendo que se a quisesse ver novamente, que a encontrasse neste mesmo lugar no próximo dia. Então ficara combinado, no outro dia.

Fora embora, com a sensação de que não mais veria Lucinha. Ficou imaginando o que lhe aconteceria se a tivesse beijado, um tapa talvez? Imaginou que poderia ter sido sua única chance.

No outro dia dirigiu-se ansioso ao lugar combinado... Tardou, mas Lucia chegou... ficaram papeando noite adentro... E assim se sucedeu por mais alguns dias. Até que ele decidiu que teria que mudar a investida. Mudaria a tática, pois não perderia a oportunidade de ficar com Lúcia desta vez. O que era estranho que as conversas nunca tinha cunho pessoal, sempre que Fernando tentava adentrar numa conversa mais pessoal, Lucia mudava o rumo das conversas.

Passaram-se meses. Então um belo dia, vendo que a mulher continuava impassível, resolveu pedir o beijo que tanto pretendia. Então o fez.

- Se lhe pedir algo me concede?
- Depende de sua pretensão.
- Não como dizer, mas sinto-me a cada dia mais e mais atraído pela vossa pessoa. E vossos lábios já são partes integrantes de meus sonhos costumeiros. Durmo a pensar em vossa boca e em sonho sinto vossos lábios tocarem os meus. É um desejo incontrolável.
- Não lhe negarei o beijo, contudo, não é esta a hora certa para o tal. E fique sabendo que meu desejo é maior em proporção e profundidade que o vosso.

Ao ouvir aquilo, Fernando, arrepiou-se inteiro. Não queria nada mais dizer, apenas esperar que os lábios daquela moça tocassem os dele. Permaneceram por mais alguns dias sem falar no assunto.

Fernando havia esquecido os amigos. Encontrava-se sempre com Lucia no mesmo lugar, na mesma hora. Um dia não suportando mais suplicou-lhe de joelhos um beijos, mas de nada adiantou, pois Lucia parecia impassível, e dizia sempre a mesma coisa. Fernando havia se esquecido até das outras mulheres, não saia com mais nenhuma... Sua vida transformou-se numa rotina...

O beijo começou a deixá-lo louco. Não podia ver ninguém se beijar que sentia uma ardência nos lábios, e o fato de ter que esperar já estava o deixando com os nervos a flor da pelo. Encontrou-se então um de seus amigos.

- O que lhe aconteceu? Não mais o vi.
- Nada estou apenas resolvendo uns assuntos pendentes.
- Qualquer coisa me liga para tomarmos um chopp.
- Pode deixar.

Sai às pressas e foi encontrar-se com Lúcia, estava decidido hoje o beijos teria que sair, e ele não sabia, mas Lúcia tinha escolhido este dia, também, para beija-lo.

Distraído começou a andar pela cidade em direção ao lugar, costumeiro do encontro. Pela calçada acabava por abalroar os transeuntes que por ali trafegavam, todavia ele nem sentia tais confrontos...

Quando então fora atravessar a rua vira Lucia, sentiu um ardor lancinante, mirou-a nos lábios e sem prestar atenção na avenida atravessou percebendo única e exclusivamente aquela boca, que o consumia. A boca que era dona de todo o seu tempo... Os lábios que lhe remoeram os dias por tanto tempo... Fixou-se nos lábios e ia atravessando a rua... Um caminhão em alta velocidade vinha em sua direção, entretanto ele não o percebeu, mas Lúcia sim, pois ela gritava com um furor, que aparentava querer estourar as cordas vocais.

Lucia só pode ver o choque... Fernando que estava perdido naqueles lábios, donos de seu mais intimo desejo, nem sentiu a colisão... Pensou, justo nesta hora, que estava beijando a boca de Lúcia...

Deitado, sem vida... Em meio ao tumulto aparece Lúcia, aos gritos... Ela então agarra Fernando, inerte, entre seus braços e começar a beijá-lo, nos lábios... Com uma vontade quase criminosa... Quem via a cena sentia até um nojo, uma vez que Lúcia estava agarrada a um corpo feito de sangue, todo deformado.

Percebeu então Lúcia, quando olho a boca dele, que havia um biquinho... E ela sabia que o que ele esperava era um único beijo...

- Leve, Fernando, meu único amor... Os beijos que tanto lhe neguei. Negados para provar o amor que sempre esperei encontrar.

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