Dezessete anos apenas...essa é minha idade, sou jovem: bem, é o que dizem; mas sei que minha idade cronológica nessa existência não me é muito relevante, apenas sigo minha indubitável e imutável rotina...acordo, me arrumo e faço minhas servis atividades de bom moço....
Preciso de algo novo pra fazer, num belo dia resolvi mudar minha rotina, depois de acordar, tomar café, fui como de costume a minha escola.Lá chegando, tomei coragem e fui procurar Silvia, minha primeira paixão; alguns diriam que tardia, mas enumero-a como minha primeira pois ela foi a primeira por quem realmente tive algum verdadeiro interesse.Quando enfim cheguei próximo a ela disse:
__ oi Silvia tudo bem?
Ela me olhou de soslaio como se me visse pela primeira vez, e com um desinteresse mal disfarçado me respondeu:
__ oi!!! tudo...
Tendo minha expectativa inicial sufocada, lembrei-lhe quem eu era, disse -lhe que eu era o rapaz que sentava ao seu lado no ônibus; ela um pouco sem jeito me disse:
__ ah sim! você é o garoto quieto, que sempre esta lendo algo e ouvindo música...
__ Como se chama?
Minha respiração, se tornou ainda mais apressada, ela já havia me notado, o que eu diria a ela? minha apreensão me deixou sem fala, mas a sineta do início da aula me trouxe de volta ao mundo real.... ela se despediu e disse que teria que entrar na sua sala.
Me despedi com muita dificuldade, nauseado com o ocorrido.
Ela saiu em direção ao outro andar, onde era sua sala e eu fiquei a contempla-la se afastar, dando uns risinhos com suas amigas.
Segui seu exemplo e também fui a minha.
Como demorou para aquelas aulas terminarem, mas enfim tiveram seu término.Logo após ter tocado o último sinal, que nos liberava para irmos embora, corri apressadamente para o corredor, com um olhar atônito a busca-la, sem êxito; cabisbaixo me resignei e segui em direção a saída, tamanha foi minha surpresa ao me deparar com ela logo no portão, com seus materiais na mão e o cabelo que outrora esteve preso agora soltos a caírem sobre seus ombros a emoldurar tão bela e expressiva face, me olhou e riu, veio ao meu encontro e disse:
__ achei que já estivesse ido!!! talvez sua aula estivesse acabado mais cedo.
Um pouco surpreso lhe respondi que não.Tamanha foi minha surpresa que travei, fiquei plantado a encará-la, vislumbrando-a, ela, dessa vez foi quem me trouxe à tona, disse que já ia e pedi para acompanhá-la, ela disse que tudo bem.Seguimos rua abaixo conversando, ou melhor eu invariavelmente concordando ou discordando com meus simples monossílabos, chegamos ao ponto de ônibus. Continuamos próximos, ela já um pouco sem jeito por minha tamanha timidez, eu quase a ponto de ter uma parada cardíaca por estar pela primeira vez em minha vida diante de situação parecida, foi quando nosso ônibus chegou, ao entrar dei-lhe a preferência por embarcar primeiro, pra minha sorte haviam dois lugares vagos, sentei e ofereci-lhe o outro lugar, ao se sentar passou tão próximo que pude sentir seu perfume, por pouco não entro novamente em devaneios, mas me contive, já um pouco menos intimidado, tomei a liberdade de lhes fazer alguns comentários que foram bem recebidos e até mesmo dos que havia alguma graça, de bom grado me foram brindados com risos, risos aos quais nunca havia visto ela dar...
Nossa viagem transcorreu, avisei-lhe que meu ponto se aproximava, ela disse que o seu seria o próximo logo após o meu, decidi descer no seu ponto e voltar a pé pra casa, ela gostou da idéia.
Quando desci junto a ela, perguntei a direção, seguimos até sua casa, no portão me despedi dela e disse que nos encontraríamos no outro dia no ônibus, com um sorriso ela disse que sim e que guardaria um lugar pra mim ao seu lado.Voltei orgulhoso de mim por ter tido coragem de me aproximar dela, voltei em verdadeira felicidade.
Passei o resto do dia normalmente, a exceção era que volta e meia me pegava pensando nela, adormeci ansioso por ir novamente a aula, para tornar a vê-la.
Acordei de sobressalto achando já estar atrasado, me arrumei apressadamente e saí.
Insuportável foi a demora do ônibus mas enfim ele veio, e eu sabia que dentro dele algo que eu queria muito ver estava, entrei apressado e a procurá-la quase em desespero, enfim avistei-a , ela me indicou o local e me sentei, não podia conter minha satisfação em vê-la, notei que ela mudava ao estar perto de mim , não parecia a garota que eu via na escola, sempre rodeada de outras garotas e cobiçada por todos os garotos, parecia uma pessoa de verdade com sentimentos e vida própria, irradiava uma alegria que me fazia a pessoa mais feliz no universo em estar ao seu lado, logo que descemos do ônibus e caminhamos para a escola ela se fechou e reprimiu um pouco de seu brilho, me intriguei, mas prosegui, logo que avistou suas amigas deixou-me para trás, despediu-se friamente e foi-se...
Novamente a aula demorou a acabar mas enfim acabou, sai e fui surpreendido por ela estar na minha porta , logo que sai ela pegou em minha mão e puxou, me indicou um corredor e puxou-me com força, só pude segui-la, saimos no pátio e fomos em direção ao ponto em desabalada pressa, mal chegamos logo o ônibus veio, entramos e sentamo-nos, novamente ela parecia irradiar luz própria e riu-se do que fez, não quis se explicar quando a interroguei a respeito apenas disse:
__ deixa pra lá!! estou aqui com voçê não estou? então esquece o resto ok?
Disse que tudo bem e me vi obrigado a confessar-lhe minha devoção, resolvi ser-lhe franco, mas como estava quase em pânico, as palavras tardavam a sair de minha boca, de modo que quando vi já estava diante do ponto em que ela desceria, ela foi quem me alertou, descemos e caminhamos, ela segurou minha mão fortemente próximo a sua casa, deteve-me, puxou e colou seus lábios aos meus em um terno e indescritível beijo, que me arrebatou....breves foram aqueles momentos mas que mais me pareceram a eternidade, despediu-se e disse que no outro dia eu entenderia tudo.
Fui novamente pra casa e me debati, quase em loucura total para que o outro dia não tardasse.
Enfim ele chegou, fui ao ponto correndo e esperei impacientemente para que aquele ônibus viesse, não tardou, chegou e eu entrei.Procurei-a novamente e ela não estava, fui até o fundo e não a encontrei, fiquei muito triste, mas a viagem prosseguiu e cheguei a escola, saltei e fui procurá-la, em minha desatenção não notei enquanto estava no ônibus que havia algo errado, os carros à frente do ônibus não se mexiam, olhei de soslaio pois não me interessava o fato, soube apenas que logo cedo havia ocorridoum acidente, pelo menos foi o que ouvi, já que ninguém parecia me notar, não a encontrei, novamente me resignei e fui a aula.Na sala porém estavam todos estranhos me olhavam de maneira que eu não entendia, sentei-me e logo uma funcionária veio até a sala nos avisar que não haveria aula devido ao ocorrido, fiquei indignado e perguntei a ela por que um acidente do lado de fora da escola nos faria perder um dia de aula, minha real intenção era não precisar voltar aquela hora pra casa pois se voltasse não poderia vê-la, a funcionária apenas limitou-se a dizer que a vítima do acidente era um aluno e que a escola se solidarizaria com a família no momento de dor.Contrariado fui pra fora e ouvi que a escola ficaria três dias sem funcionar, fiquei ainda mais bravo pois ficaria três dias sem chance de vê-la, sem opção fui-me embora.Desci em meu ponto habitual e segui para minha casa, lá chegando minha mãe me interrogou sobre o motivo de já estar de volta:
__ o que houve? por que já voltou?
Lhe disse de maneira grosseira.
__ Algum babaca lá da escola conseguiu ser atropelado em frente a escola.
Minha mãe chocada com minha frieza me repreendeu e quis saber detalhes. Lhe respondi apenas que não estava interessado nos problemas alheios, pois tinha os meus próprios pra me preocupar, entrei e me tranquei em meu quarto.Passou-se o restante daquele dia notei que havia um movimento incomum no bairro, mas achei que fosse o pessoal sem ter aula aproveitando pra curtir.Fiquei o resto do dia trancado e somente fui sair do meu quarto na tarde do dia seguinte, quando desci, perguntei a empregada onde minha mãe havia ido, ela me disse que havia ido ao enterro do aluno da minha escola.Disse a ela que não estava interessado no morto, e dei-lhe as costas retornando ao meu quarto, ela disse algo que não entendi mas que não fiz questão de voltar para saber, Silvia se fazia presente em tudo que eu pensava, lembrava daquele beijo maluco, e de sua promessa de me explicar tudo no outro dia.Pensava o por que dela ter se atrasado, no outro dia ela tava lá certinho na hora, por que se atrasou...Fiquei bravo em pensar e adormeci, dormi a tarde toda, e lá pelas nove da noite acordei, notei com certa estranhesa que havia movimento na casa, mas enrolei no quarto para descer, quando a empregada bateu em minha porta eu a atendi ela apenas me disse:
__ sua mãe quer falar com você?
Lembrei-me de perguntar o que ela havia me dito quando lhe perguntei de minha mãe, ela me disse:
__ falei pra você que não era "morto" e sim "morta".
Foi com um certo espanto que recebi essa frase, não entendi bem por que quando ela disse isso, me veio um repentino aperto no peito, uma sensação estranha em meu corpo, achei que fosse fome...
Quando desci encontrei minha mãe toda de preto com uma cara não muito boa e um olhar inquisidor em minha direção, logo foi me interrogando;
__ por que não me disse? surpreso lhe disse:
__ o que eu teria que lhe dizer? ela respondeu:
__ que o "babaca" que tinha morrido era a filha da Sofia?
Sem entender nada, lhe perguntei quem diabos era Sofia e por que eu deveria saber quem era sua filha e que era a sua filha que tinha sido atropelada.
Ela então respondeu, e como eu queria que ela não tivesse respondido.
__ Sofia me disse que por dois dias seguidos você havia levado Silvia até o portão, e que no segundo dia a surpreendeu te beijando na rua...
Tamanha foi minha surpresa que perdi o fôlego e sentei-me no sofá em frente a minha mãe, já com os olhos cheios de lágrimas, balbuciando e gesticulando abracei longamente minha mãe, que apenas pode me amparar sem nada entender, até que depois de um tempo meu choro cessou. Quando me viu de novo restabelecido pediu a empregada que esteve lá todo o tempo em que chorei que me trouxesse um copo com água e que depois nos deixasse sozinhos, a empregada a obedeceu trouxe a água e se retirou, minha mãe com um olhar terno pediu que eu lhe contasse o ocorrido. Receei um pouco, já que raramente tinha algum tipo de conversa séria com minha mãe que muito trabalhava, desde que meu pai havia morrido, mas movido pelo que sentia contei-lhe tudo, tudo que achei que ela devesse saber, pra minha surpresa foi ela quem começou a chorar depois que eu lhe contei tudo, aguardei e dei-lhe o restante de minha água e pedi que me exlicasse o por que do choro, ela então me disse:
__ então era pra você....e soluçou!!! sem entender mas ficando um pouco apreensivo quis saber.
__ pra mim o que? me diz mãe, o que ? então ela me disse:
__ meu filho, quando Silvia foi atropelada ela lia um papel, que foi entregue a mãe dela por pessoas que estavam lá e recolheram logo após o acidente, ela leu e viu que se tratava de uma carta, aparentemente uma carta à um rapaz, mas não trazia um nome, por isso Sofia não sabia a quem entregar. Minha mãe novamente teve que conter o choro, e então lhe perguntei :
__ como não havia nome na carta? minha mãe me disse apenas.
__ ela diz isso na carta filho.
Na carta diz apenas, no seu início onde deveria estar meu nome:"a você que nem ao menos sei o nome, e que em tão pouco tempo fez-me sentir outra pessoa, fez-me sentir viva."
Agora lendo toda a carta me recordo que não lhe disse realmente como me chamava, mas que pelo menos por algumas breves horas sentimos sensações parecidas, somente uma coisa poderia fazer.
Escrevi uma carta e um poema e deixei em seu túmulo, também deixei uma rosa e assinei:


A você que viverá pra sempre em minhas recordações




"Renato"

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